31 dezembro 2015

Apontamentos sobre o Apocalipse de Lorvão ( II)

E outro anjo saiu do templo,
clamando com grande voz
ao que estava assentado sobre a nuvem:
 Lança a tua foice, e sega;
a hora de segar te é vinda,
 porque já a seara da terra está madura.

Apocalipse 14:15
A iluminura é um modo de apreensão do conhecimento procurando atingir o invisível através daquilo que é visível.
Com o aumento da procura dos livros, os copistas começaram a requintar o seu trabalho. Aumentou-se o tamanho e deu-se cor e enfeite às letras iniciais. Posteriormente colocaram-se outros ornatos nas margens das páginas e, finalmente, introduziu-se a iluminura (ou miniatura) onde as imagens e cores tinham uma simbologia própria.
As obras eram produzidas nos Scriptorium, onde os monges se ocupavam da cópia do texto e da sua "iluminação". Quanto maiores as posses dum mosteiro, maior a possibilidade de terem uma boa biblioteca e um bom scriptorium.
As “folhas” eram feitas de pele de animais que depois de tratadas formavam os “bifólios”. Para as cores, tinham de ser preparadas as tintas a partir de pigmentos. Primeiro eram aplicadas as cores pálidas e as camadas mais vivas. Só depois as cores mais fortes; a seguir, os contornos a preto ou castanho-escuro e, no final, os detalhes nas folhagens e personagens, feitos com um pincel fino. As cores predominantes eram o vermelho, o azul e o dourado. 
Em Portugal existiram três importantes scriptoria: Santa Cruz de Coimbra, Alcobaça e S. Mamede de Lorvão. Foi neste mosteiro que foram feitos os manuscritos mais ricos e criativos em imagens sagradas deste período: o Apocalipse de Lorvão e o Livro das Aves.
Recorde-se que em Outubro a UNESCO inscreveu no Registo da Memória do Mundo o conjunto de manuscritos dos Comentários do Apocalipse de Beato de Liébana existentes na Península Ibérica: dois portugueses «Apocalipse de Alcobaça» e o «Apocalipse de Lorvão»  - único «Beato»  ilustrado existente no nosso país - e nove espanhóis, em resultado de uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha, apresentada em 2014 e intitulada Manuscritos do Comentário do Apocalipse (Beatus de Liébana) na Tradição Ibérica.
A nível europeu chegaram até nós cerca de 34 cópias, entre as quais 27 iluminadas. Estes códices são também conhecidos como “Beatos” por conterem a cópia do «Comentário ao Apocalipse» atribuído ao monge Beato de Liébana, que viveu nas Astúrias na segunda metade do século VIII.
Uma das ilustrações mais conhecidas do Apocalipse de Lorvão é a colheita e vindima representando Cristo - o juiz - com a coroa da vitória que, de foice em punho, se prepara para ceifar a seara seca, envenenada pelo pecado, apenas prestando para alimentar o fogo.
Como sabemos, na Bíblia o Juízo Final é comparado à ceifa e à vindima. Por isso, também um anjo aparece com uma foice na mão, cortando os cachos envenenados pela rebeldia humana e lançando-os no lagar da ira de Deus, onde são pisados e espremidos”. 

30 dezembro 2015

Penacova 1898: um retrato (II)

Em finais do século XIX o governo solicitou às “camaras municipaes do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações, conforme se referiu anteriormente.
Continuamos a publicar o documento que a Câmara de Penacova remeteu ao Governo chefiado por Luciano de Castro em 1898:

“No reino mineral são dignas de menção as pedreiras de mármore de Sazes e de calcário das freguesias de Sazes e Penacova de que se extrai cal preta de primeira qualidade, e as de granito, para cantaria e mós, das freguesias de Penacova e Friúmes.

Não há neste concelho minas em exploração, não obstante ser carbonífero o terreno ao sul da serra do Bussaco. Estão registadas nesta comarca, no corrente ano, em favor de Carlos Leuschner e outros, dez minas de metais preciosos, carvão, ferro, chumbo e outros metais.

Não há indústrias dignas de serem especialmente mencionadas a não ser as de madeira, lenha, cal e palitos.

Dadas as condições naturais do solo a persistente actividade da população deste concelho, devia a sua riqueza ser muito maior e o bem estar mais geral. 
Este facto é devido a causas várias, que vamos apontar, algumas das quais são gerais e outras privativas deste concelho.

Começou a crise neste concelho com a abertura da linha férrea da Beira Alta, afectando toda a população das margens do Mondego pela supressão, quase completa, da indústria de barcagem que se fazia entre a Figueira e a Foz do Dão.

Logo a seguir a filoxera devastou as vinhas e outras moléstias secaram grande parte dos olivedos e castanhais, ficando, por estes motivos, muitos braços sem trabalho e muitas famílias sem suficientes meios de subsistência. 

Mas nem se organizaram bandos precatórios [ peditórios na via pública] nem a propriedade foi menos respeitada; desenvolveu-se a emigração extraordinariamente, o que determinou a afluência de capitais, vindos principalmente do Brasil, com que se sustentam muitas famílias e se procura restaurar a cultura da vinha e melhorar todas as outras.”


CONTINUA

28 dezembro 2015

Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte

AUTO-RETRATO
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da Costa faleceu na capital da Beira Alta. Não em Penacova, onde desde os anos setenta viveu, ali na Costa do Sol, e onde foi professor. Picasso lhe chamavam carinhosamente os seus alunos.
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus  pais eram penacovenses: José da Costa e Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto, onde foi discípulo de Dordio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado diversas vezes na escola, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18 valores.
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em 2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
 “O Prof. Martins da Costa, foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua esposa, Profª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier. Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”
Capa do Jornal de Penacova
24 de Abril de 2005
“Um dos melhores professores que tive na minha passagem pelas escolas de Penacova... Martins da Costa não era mais um "carneiro". Pensava com a sua cabeça e quase sempre muito bem!”
E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse reconhecimento deve estar à altura da sua obra.” 

26 dezembro 2015

Apontamentos sobre o APOCALIPSE DE LORVÃO (I)


Em meados de Outubro passado, o Apocalipse de Lorvão, famoso pelas suas iluminuras, foi inscrito como registo da Memória do Mundo pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).  
No século VIII, Beato de Liébana, clérigo asturiano,  escreveu o Comentário ao Apocalipse.
Mais tarde, no século XII (c. 1189), o monge Egas (ou Egeas) fez, no Mosteiro do Lorvão, uma cópia dessa obra, acrescentando comentários pessoais e ilustrando-a,  ficando assim conhecida como Apocalipse de Lorvão.
“A iluminura tem no período românico um lugar de destaque, pois o homem sentia  necessidade de explicar os textos através da imagem, A imagem serve de intermediário visível para atingir o invisível, é uma técnica diferente de apreensão do conhecimento.” – escreve  F. Brand, autor que iremos seguir de perto nestes apontamentos. 
Refira-se que outros documentos relativos a Portugal foram também já declarados Memória do Mundo: a Carta de Pêro Vaz de Caminha (1500), a versão castelhana do Tratado de Tordesilhas (1494) e o Diário da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia (1477-1499).
O Apocalipse de Lorvão, em conjunto com O Livro das Aves (datado de 1184 e do mesmo autor) são considerados como os manuscritos mais ricos e criativos em imagens sagradas, considerando o período em que foram feitos. O Comentário ao Apocalipse foi copiado por Egeas em 1198, o que é atestado pela presença do seu nome e data no cólofon  (a nota final de um manuscrito ou de um livro impresso): “Iam liber est scriptus / qui scripsit sit benedictus / qua … / ERA MCCXIIa [1189] / Ego egeas qui hunc librum scribsi si in aliquibus / a recto tramite exivi, delinquenti indulgeat / karitas que omnia superant.”
Este manuscrito é formado por 223 fólios com cerca de 340 x 247 mm e é constituído por 70 histórias, cada uma com uma ilustração. Constitui o único exemplar em que sistematicamente a imagem comenta o texto. É considerado como apresentando as melhores iluminuras, mas também aqui não existe consenso entre os estudiosos. Wilhelm Neuss chega mesmo a considerar as ilustrações extremamente primitivas e infantis.
Pensa-se que terá havido, além do copista (Egeas) mais dois iluminadores. Têm essa opinião, por exemplo, Peter Klein e Adelaide Miranda. No entanto alguns afirmam serem um só, o monge copista e o iluminador.

CONTINUA

23 dezembro 2015

Cartas Brasileiras: OPERAÇÃO LAVA-JATO


No Brasil, “lava-jato” é um serviço, geralmente, prestado em postos de combustíveis, ou em áreas próprias, destinado à lavagem rápida de veículos, muitas vezes utilizando máquinas automatizadas e pouca mão de obra.
O termo “lavar dinheiro” é oriundo da máfia que se utilizava de lavanderias de roupas para “limpar”, “esquentar” o dinheiro sujo do jogo, da prostituição, da droga, da venda ilegal de bebidas (lei seca nos Estados Unidos) e da corrupção.
Com a junção dos dois conceitos, no Brasil, a Operação Lava-Jato foi desencadeada, em março de 2014, com o cumprimento de mais de uma centena de mandados de busca e apreensão, prisões temporárias, preventivas e conduções coercitivas, inicialmente com foco na Petrobras.
Descobriu-se um esquema escandaloso de obras superfaturadas, pagamentos de subornos e propinas a diretores da empresa, a partidos políticos (PT, PMDB e PP), a políticos e diretores de partidos. 
A Petrobras, uma das maiores empresas do mundo, enfrenta hoje dificuldades, enquanto o esquema de assalto à empresa teria surrupiado cerca de R$10 bilhões, como inicialmente previsto, algo como US$2 bilhões de dólares, mas que hoje estima-se ter sido superior a US$10 bilhões. O escândalo no Governo Dilma (PT) ganhou a alcunha de Petrolão, em uma referência ao Mensalão ocorrido durante o Governo Lula (PT).  Hoje já se sabe que os dois esquemas de corrupção são bem semelhantes, parecem interligados, sendo o segundo continuação do primeiro. 
O processo Lava-Jato conduzido pelo Juiz Sergio Moro já condenou diversos empresários, donos das maiores empreiteiras brasileiras, estão presos. Outros com prisão cautelar aguardam o final do processo. Muitos aderiram à “delação premiada”, pela qual, mediante o fornecimento de informações sobre o esquema conseguem reduzir suas penas.
As prisões, delações de pessoas próximas ao ex-presidente Lula, bem como denúncias, convocações para prestar esclarecimento na Polícia Federal, têm agitado ainda mais o meio político.
A cenário é preocupante. O presidente da Câmara que vai enfrentar processo de afastamento por quebra do decoro parlamentar, teve a residência oficial invadida pela polícia federal, em busca de provas contra denúncias que pesam sobre ele; no mesmo dia, dois ministros do atual governo sofreram o mesmo tipo de ação.
            Na Câmara Federal, a Presidente da República enfrentará processo de Crime de Responsabilidade por descumprimento do orçamento e utilização de verbas suplementares sem autorização do Senado, que poderá redundar em “impeachment”.
            Por tudo, está difícil receber de amigos e conhecidos votos de Boas Festas. 
           Porém, deixando de lado o egoísmo, desejo a todos os leitores do blog FELIZ NATAL e ótimo 2016. 

P.T.Juvenal Santos – ptjsantos@bol.com.br

Cartão de Boas Festas de Paulo Santos
 [na imagem, seus netos Thiago e Kamila]



20 dezembro 2015

Apresentado em Coimbra o livro infanto-juvenil “Teresa de Portugal”

As autoras aquando do lançamento em Lorvão
"Teresa de Portugal" é um livro infanto-juvenil editado pelo Município de Penacova com autoria de Paula Silva e ilustrações de Cristina Carvalho e da autora. Lançado em Lorvão no passado dia 16 de Outubro, aquando das Comemorações dos 300 anos da Trasladação das Santas Rainhas, foi apresentado hoje na FNAC do Forum Coimbra, procurando assim, chegar a um maior número de leitores. Deste modo, o mesmo pode agora ser adquirido também naquele espaço comercial, além da Biblioteca Municipal de Penacova.



Pretende-se a divulgação de uma figura da nossa História e particularmente da história do Mosteiro de Lorvão e do nosso concelho. Esta iniciativa releva de inegável valor na medida em que através da imagem e do texto acessível, desperta no público infanto-juvenil um maior interesse pela história local.

Trata-se de um trabalho, muito bem conseguido, especialmente dirigido ao público escolar. Escreve o Prof. Dr. Nelson Correia Borges no Prefácio: “De uma forma simples e atractiva poderão assim conhecer, entender e até venerar esta Santa Teresa de Lorvão, Santa Teresa de Portugal, rainha, mulher,mãe, monja de grandes virtudes”

Na apresentação de hoje, Maria Alegria Fernandes Marques, professora da Universidade de Coimbra (que tem um estudo publicado sobre a temática) traçou uma esclarecedora síntese sobre a vida de D. Teresa.

No site da Câmara Municipal podemos ler:

Teresa, a Inquebrantável (1178 - 1250):

Filha legítima de D. Sancho I e D. Dulce, foi esposa de Afonso IX de Leão, de quem teve três filhos. Declarada nula a união - os noivos eram primos - regressou a Coimbra onde recebeu por doação de seu pai, o Mosteiro de Lorvão,que haveria de reformar, em 1206, para a Ordem de Cister. Sob o hábito cisterciense e, apesar de Senhora do Castelo de Montemor-o-Velho, do termo da vila e de todos os seus rendimentos, haveria de viver em Lorvão até à sua morte, em 18 de Junho de 1250.

Penacova 1898: um retrato


Quase a terminar o século XIX, durante a vigência de um governo presidido por Luciano de Castro, foi solicitado às “camaras municipaes do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações . Deveriam também ser apresentados alguns “meios de remediar ou atenuar o mal presente e preparar a prosperidade futura”.
Assim, a Câmara de Penacova enviou em 11 de Outubro de 1898, ao então ministro das Obras Públicas, conselheiro Elvino de Brito,  um documento que, passados quase 120 anos, nos poderá ajudar a perceber melhor alguns dos problemas com que Penacova ainda hoje se debate.
Dada a sua extensão, começaremos hoje por publicar a parte inicial do relatório que depois de uma breve caracterização geográfica, tece algumas considerações sobre a situação da agricultura.

“ O concelho de Penacova está situado a nordeste de Coimbra e confina pelo norte com os de Mealhada e de Mortágua; pelo nascente com os de Tábua e Arganil e pelo Sul com o de Poiares. A sua superfície é de 160 km2 aproximadamente; a população é de 18 382 habitantes, isto é, cerca de 114 habitantes por quilómetro quadrado.
O clima é frio e salubre, o solo muito irregular e montanhoso, mas fértil.  Por todo ele se cultivam cereais, especialmente o milho e centeio, havendo também cultura de trigo, cevada e aveia. É considerável a sementeira de batata e feijão. As vinhas davam-se optimamente antes da invasão filoxórica, sendo o vinho de boa qualidade; hoje estão sendo renovadas pela cepa americana, que vegeta excelentemente.
A produção de azeite era ainda há poucos anos muito avultada mas tem decrescido muito, devido à moléstia que seca as oliveiras.
Os castanheiros vegetaram optimamente mas estão igualmente quase extintos pla moléstia que os afecta com grande prejuízo para este concelho.
Há em geral bastantes árvores de fruto Das diversas espécies, que se desenvolvem e frutificam bem e os frutos são saborosos, segundo a sua qualidade.
 Nos terrenos mais fracos das encostas dá-se bem o pinheiro, sendo grande a extensão desta sementeira e grande o seu rendimento em madeira e lenha.
As terras cultivadas dão boas pastagens.
Não há terrenos desaproveitados, a não serem, nas serras, os baldios que são extensos e apenas servem para pastagens de gados, e nas margens dos rios Mondego e Alva os areais em que se pode alargar muito  cultura do milho e feijão pela notável fertilidade dos terrenos marginais, enquanto são inundados pelas enchentes.
A riqueza não está acumulada, mas a propriedade, em geral, excessivamente dividida. As terras amanhadas são na sua maior parte regadas com a água das fontes e nascentes que há muitas, ou com a das ribeiras e rios (Mondego e Alva) geralmente abundantes."


(CONTINUA)

05 dezembro 2015

Horrível desgraça: seis crianças carbonizadas

“No dia 22, logo de manhã, começou a correr na vila um boato sinistro: em Sernelha ardera uma casa, tendo perecido no incêndio seis creanças, a mais velha das quais teria 7 anos. Partimos imediatamente para ali.
Perto da povoação; à sombra dum pinhal, vimos, num grupo de indivíduos, alguém conhecido a quem nos dirigimos em busca de notícias. Logo nas primeiras palavras a pessoa a quem interrogamos confirma-nos  a notícia e indica-nos um homem, ainda novo, simpático, que fazia parte do grupo, dizendo-nos que era o pai das creanças que horas antes tão terrivelmente tinham morrido.
E foi da boca dele, uma voz velada, que mal se ouvia, que ouvimos a sinistra história, curta e trágica: Na véspera, à boca da noite  tinha sido procurado por dois amigos seus - Bernardo e Augusto Rodrigues, barbeiros, de Sernelha, com quem tinha de justar umas contas. Feitas estas, convidou os seus amigos a beber um copo de vinho, como é velho costume entre o nosso povo. Em casa não havia vinho e por isso foram à próxima taberna, onde passado pouco tempo sua mulher o foi chamar, dizendo-lhe que estava pronta a ceia e por isso se não demorasse.
Tendo-lhe ele respondido que pouco se demoraria e que fosse pondo a ceia na mesa que breve iria ter com ela, saiu a mulher da taberna e logo ao voltar uma esquina que lhe encobria a sua casa, grita aflitivamente que acudissem, que a casa estava a arder.
Correm todos e vêem a casa em chamas. Ele lembrando-se dos seus filhos, que poucos momentos antes a mãe tinha ido deitar, atira-se com ância à janela do quarto onde eles dormiam, arrombando-a e tenta escalá-la.
Mas – termina o pobre homem, com a sua voz molhada de lágrimas, velada, mal se ouvindo - não me deixaram entrar. Lá dentro só vi chamas, só chamas que ainda me queimaram a cara e nunca mais os vi... E fitando os olhos vermelhos de tanto chorar, brilhantes de febre, no chão, repetia desalentadamente:
-Nunca mais os vi e nunca mais os ouvi. Nem um grito. Só chamas, só lume. Nunca mais os vi, nunca mais os ouvi...
Correm-lhes as lágrimas em fio pela cara e todos nós sentimos também uma irresistível vontade de chorar.
                          *
Chega o dr. Henrique Serra, administrador do concelho, acompanhado pelo seu secretário, António Casimiro, e todos nos dirigimos para o local do sinistro.
Da risonha casa,  à beira da estrada, onde ainda ontem reinava a felicidade e a alegria apenas restavam uma mão cheia de ossitos quase desfeitos e um carvão negro, disforme, horrível, que talvez tivesse sido o tronco da mais velha.
Os donos da casa chamavam-se, como dissemos no nosso último número, Augusto dos Santos Neto e Rosária do Espírito Santo. Estavam casados há nove anos e tinham seis filhos - Manuel, Mário, Maria, Alzira,  Filomena  e Maria do Nascimento, o mais velho de perto de 8 anos e a mais nova de seis mezes, que agora pereceram todos no incêndio. [Manuel de 8 anos; Mário de 6 anos, Maria de 4 anos, Alzira, de 3 anos, Filomena de 2 anos e Maria do Nascimento de 6 mezes.]
A casa - que estava no seguro, segundo ultimamente nos informaram - tinha sido construída há menos de um ano.
As autoridades tendo procedido a minuciosas averiguações, são de opinião de que o incêndio foi casual.”

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NOTA: esta notícia, que transcrevemos na íntegra e com grafia da época, foi publicada no “Jornal de Penacova” em data que não podemos precisar, mas entre 1915 e 1918. Só desgraças neste blogue, poderão dizer os leitores...
Mas são também estes momentos trágicos que marcam as memórias das nossas terras. Trazê-los ao presente é uma forma de, com todo o respeito, nos associarmos, às dores de tantos que nos antecederam, porventura, pessoas das nossas famílias. Alguém de Sernelha, ou mesmo do concelho, tem mais elementos que queira partilhar? Fica o repto.

01 dezembro 2015

Da Cortiça à Carvoeira: a queima da pólvora e a brutal perseguição aos liberais


Tínhamos prometido voltar ao assunto. Não contávamos fazê-lo já hoje, mas dado que. da meia noite de Sábado até à meia noite de Domingo o “post” intitulado "Violenta explosão junto à Catraia dos Poços" teve cerca de 1800 visualizações (até ao momento – 23:20 do dia 1 - contabilizam-se 2272), achamos pertinente referir desde já  uma notícia sobre o caso, publicada num jornal de Lisboa em 1832 e apresentar uma extensa lista de pessoas presas na sequência dos acontecimentos.

Caricatura representando D. Pedro  e D. Miguel
disputando a coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.

 “Ao general da Província da Beira constou (...) que uma porção de cartuchame de fuzilaria (...) havia sido assaltado por uma quadrilha de trinta a quarenta salteadores e que apesar da resistência feita pela escolta (...) conseguiu a dita quadrilha apoderar-se de tal cartuchame que inutilizou apenas viu qual o objecto do que encontrou.”
Adianta, ainda, a referida notícia:
“O General da Província da Beira Alta, assim que teve conhecimento (...) ordenou que as pesquisas continuassem até ser alcançada a quadrilha; e muito mostraram os povos tal empenho que não foi preciso exortá-los para descobrir e acabar com semelhantes salteadores, pois no dia 15 de Agosto corrente, teve o Capitão Mor de Penacova e as suas Ordenanças a fortuna de descobrir numa mata junto à Cortiça, sete indivíduos da mesma quadrilha. (...) Tal era o rancor das Ordenanças contra estes malvados que foi com muita dificuldade o salvar-lhes as vidas para a Lei os punir. (...) Os dispersos continuaram a ser perseguidos por montes e vales(...)”
Esta versão dos acontecimentos, como se percebe,  é nitidamente afecta aos absolutistas. A mata perto da Cortiça, onde foram encontrados os sete fugitivos,  trata-se da Mata da Bica. Deste grupo alguns foram fuzilados mais tarde, conforme dissemos na mensagem anterior. Recordemos esses nomes aos quais a lei capital não poupou a vida: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito, pároco de Covelo; Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, José Maria de Oliveira, da Cortiça e, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de Sande Sarmento da Carvoeira.
A feroz perseguição feita nas nossas terras conduziu à prisão de muitos nomes nossos conterrâneos, tendo alguns deles, como já referimos, sido fuzilados: António Homem de Figueiredo e Sousa, da Cruz do Soito, irmão de D. Rita, mulher do capitão-mor José Félix, e este, irmão de Bernardo Homem; António Joaquim de Moura; António Francisco; António José de Frias, da Sobreira; António (Padre) da Maya, da Cruz do Soito ; António Marques Guerra, dos Poços; António de Sousa Maldonado Bandeira; Bernardo Homem, da Cortiça (este nome consta da lista, mas haverá equívoco, pois ja estava preso, há muito, nas cadeias de Almeida); Francisco, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; Francisco de Sande, da Carvoeira ; Guilherme, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; João Pereira Saraiva; Joaquim José Gonçalves; José Maria, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; José Félix da Cunha Figueiredo Castelo-Branco, que faleceu nas prisões; José Henriques, de Farinha Podre, alfaiate; José Joaquim Pereira, de Farinha Podre; José Lopes; José de Loureiro e Almeida, de Farinha Podre; José Inácio Martins; José Maria de Figueiredo Castelo-Branco, filho do dito capitão mor José Félix da Cunha Castelo-Branco; José Maria de Oliveira, da Cortiça; Manuel Correia; Manuel Lourenço Gomes Cascão e Veríssimo Gonçalves.

Escrevia-se num livro editado em 1889 que “o despotismo raivoso encarcerou muita mais gente do que a constante da lista, com quanto não houvesse metido nem prego nem estopa na queima da pólvora”.  
E a mesma fonte aponta, assim,  mais nomes: Francisco António da Assumpção, da Sobreira, de cuja prisão resultou perder a sua mãe o uso da razão; Maria Benedita e Maria Antónia, filhas de Bernardo Homem, bem como uma criada das mesmas; Ana Marques, da Cortiça, solteira; José Joaquim Pereira, de Farinha Podre, bacharel formado; Joaquina da Fonseca, de Farinha Podre, “e outras [pessoas], das quais umas não foram pronunciadas, mas outras, ou o fossem ou não, jazeram nas cadeias de Lamego até que esta cidade foi libertada.”

29 novembro 2015

VIOLENTA EXPLOSÃO JUNTO À CATRAIA DOS POÇOS

Tempos de guerra, tempos de guerrilha. A região entre Ponte da Mucela e Catraia dos Poços acaba de viver momentos de grande tensão. Mais uma vez na história, estas terras são palco de lutas e de perseguições semeando o terror. Agora já não são os invasores Franceses. Também com laivos de grande violência, agora a luta é fraticida. 


Vindo de Abrantes chega à Ponte da Mucela, num dia de Agosto,  um comboio de 20 carros carregados de pólvora com destino ao norte, talvez Viseu ou Lamego. A escoltá-lo vêm 40 “voluntários realistas”. No dia seguinte, dia 5,  logo pela manhã, resolvem fazer uma paragem, na Chamada Eira do Forno, já perto da Cortiça.
A dado momento, um dos “carreiros” que se diz ser um tal José António, da Urgueira, ao passar junto à casa de José Maria de Oliveira, grita: - está ali um malhado!. Era um conhecido  partidário das ideias liberais,  que andava a apanhar fruta nas traseiras da casa. Logo os milicianos se atiram ao pobre homem indefeso bem como  a um outro vizinho. Em seu auxílio surge um grupo de liberais que depois de grande troca de tiros consegue ganhar  aos agressores que eram em bem maior número. Com a situação dominada resolvem desviar o carregamento de pólvora e colocá-lo à disposição  do capitão de Ordenanças do Carapinhal, José Dias Brandão e desse modo ficar em “melhores” mãos. Quando tal intento começava a ser concretizado, eis senão, chega um grupo de outros “voluntários” que vindos do Norte regressavam a Abrantes. Nova escaramuça se trava ali perto dos Poços e os liberais mais uma vez saem de vencida. Só que, pressentindo  que em breve estariam cercados pelas Ordenanças de Penacova e de outros concelhos das redondezas, decidem deitar fogo à pólvora.
Foi então  que junto à Catraia dos Poços, perto da Serra da Sanguinheda,  longe das casas, amontoam a pólvora dos 20 carros de bois e estendem o rastilho. Terá sido Manuel Brandão a acendê-lo. Mas já perto do monte, o pavio apaga-se. Valeu naquele momento a coragem de um penacovense, um dos irmãos Sande, da Carvoeira, antigo Sargento de Caçadores 8.  De rastos aproximou- se perigosamente do monte de pólvora e reacendeu o rastilho, fazendo explodir toda aquela quantidade de explosivos. Imagine-se o estrondo que se fez sentir por terras da Casconha!
Escusado será dizer que não demorou muito para que as tropas (guerrilhas) de Arganil chegassem e perseguissem tudo o que era “liberal”. Muitos destes atravessam o Mondego indo refugiar-se na zona dos Fornos e Alcarraques, já perto de Coimbra. Outros ficaram pela zona do conflito, sendo a maioria imediatamente presa. António Joaquim (ou António do Arrabalde, como era conhecido) ainda se refugiou na toca de um castanheiro, mas de nada lhe valeu.
Às “guerrilhas“ de Arganil juntaram-se as Guerrilhas e Ordenanças de 22 concelhos da região. Também a Infantaria e Cavalaria de Coimbra entraram em campo. Não custa pois imaginar as perseguições, os incêndios, os saques, as prisões (muita gente de Farinha Podre) que sofreram todos os simpatizantes da causa liberal.
Mas a vingança não se ficou por aí, nem sequer pelo abarrotar das cadeias de Mortágua e Arganil. É que os fuzilamentos que se seguiram não foram nem um nem dois: foram sete. Os nomes estão gravados num Mausoléu que existe em Viseu. Pessoas da Carvoeira, da Cruz do Soito...
Foram eles: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito, pároco encomendado de Covelo de Ázere (que estava inocente, entre outros); Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, filhos de Bernardo Homem.Também da Cortiça, José Maria de Oliveira. Por último, naturais da Carvoeira, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de Sande. Fuzilados por topas pertencentes às Milícias de Santarém, no Terreiro do Rossio de Santo António, em Viseu, no dia 21 de Março de 1833.
A inscrição existente no referido Mausoléu recorda a  “execranda tirania daquele tempo” e exalta a coragem destes “mártires da liberdade”.  Penacovenses... perpetuados em Viseu... ignorados em Penacova...
NOTA: Voltaremos ao assunto, não só para referir a extensa lista com os nomes de pessoas desta região  que estiveram nas cadeias, mas também para situar este episódio conhecido por “Queima da Pólvora” no conjunto da Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas, que semeou o ódio entre “malhados” e “corcundas”...


27 novembro 2015

Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte

A primeira página de
O Jornal de Penacova
 [24 de Abril de 2005] 
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da Costa faleceu na capital da Beira Alta. Não em Penacova, onde desde os anos setenta viveu, ali na Costa do Sol, e onde foi professor. Picasso lhe chamavam carinhosamente os seus alunos.
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus pais eram penacovenses: José da Costa e Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
auto-retrato
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto, onde foi discípulo de Dórdio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado diversas vezes naquele estabelecimento artístico, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18 valores.
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em 2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
 “O Prof. Martins da Costa, foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua esposa, Prof ª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier. Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”
“Um dos melhores professores que tive na minha passagem pelas escolas de Penacova... Martins da Costa não era mais um "carneiro". Pensava com a sua cabeça e quase sempre muito bem!”
Obra dos anos 60

E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse reconhecimento deve estar à altura da sua obra.” 


26 novembro 2015

CARTAS BRASILEIRAS: Hopalong Cassidy

O tema da insegurança, tão actual,  na crónica de PAULO SANTOS:

Quem passa dos 50 anos sabe de quem estou falando. Para os mais novos eu explico. Trata-se de um herói dos filmes de faroeste. Era estrelado por William Boyd. O cavalo branco era Topper. As produções da série foram feitas até 1948. Todavia, como naquela época havia demora na distribuição dos filmes, quando a série chegou à minha cidade, eu já tinha idade para ir ao cinema assistir às vesperais dominicais. Tom Mix foi um herói mais antigo, do tempo de minha mãe. Da minha época de menino: Rocky Lane, Roy Rogers, Gene Autry, Durango Kid, Zorro, Tarzan, e o mais moderninho, Batman.
E o que todos tinham em comum? Eram defensores da lei. Eram os baluartes do bem. No fim da história, sempre o bem vencia o mal. Os heróis partiam, empinando seus cavalos, Tarzan “viajando” pelos cipós, gritando: Uauauuu!
Na verdade, não era uma despedida. Era apenas um até logo, como que dissessem: precisando estarei aqui. Contem comigo! Os bandidos fugiam deles como o diabo foge da cruz. Não havia dúvidas em saber quem era quem. Os mais fracos contavam com protetores corajosos, que os defendiam contra os bandidos, gananciosos e corruptos. E hoje? Todo mundo acuado *, quase que entrincheirado. Os foras da lei já não têm mais medo de nada. O crime sempre compensa.
Vivemos momentos perigosos. Violência de todo tipo. Violência dos bandidos, dos políticos bandidos, dos corruptos, dos sonegadores, e apaniguados. A violência da miséria, da fome, do desemprego. As drogas, o álcool, o trânsito.  Violência nas ruas, nas escolas, nas famílias. É o desamor, o egoísmo, a ganância. Sem uma mudança completa no comportamento de todos, nem mesmo contanto com todos os heróis para nos ajudar seremos salvos. E o pior, já não contamos com Hopalong Cassidy, que era só chamar.

P.T.Juvenal Santos - ptjsantos@bol.com.br

acuar: perseguir; cercar a caça; encurralar.

20 novembro 2015

Conhecer melhor a empresa “Águas das Caldas de Penacova”

Numa das pesquisas que vamos fazendo sobre assuntos relacionados com Penacova, "cruzámo-nos" com um trabalho académico de Carlos Daniel Simões Gonçalo sobre esta empresa de engarrafamento de água mineral natural. Trata-se de um relatório de estágio (que decorreu de Janeiro a Julho de 2013), apresentado ao Departamento de Engenharia Química e Biológica (ISEC) para a obtenção do grau de Mestre em Processos Químicos e Biológicos.

Destacamos o capítulo que faz a apresentação da empresa, não deixando, contudo, de registar, quer a hiperligação para o texto integral do referido relatório, quer para o site da empresa “Água das Caldas de Penacova, S.A.”

Infografia inserta no documento em referência
Em 1972, o médico-hidrológico, Dr. Amaro de Almeida concluiu que as águas das Caldas de Penacova possuem propriedades terapêuticas, podendo ser utilizadas no tratamento de doenças de pele, do aparelho digestivo e do aparelho urinário: “Não é radioactiva. A sua leveza, como hipossalina e a presença de anidrido carbónico, conferem-lhe o seu lugar como água de mesa, sem desvantagens, ao lado de muitas outras de grande valor comercial”. Já em 1971, o Instituto Superior Técnico refere no Boletim de Análise nº 31999 de 21 de Julho “Água muito hipossalina com reacção ácida que lhe é conferida pelo apreciável teor de anidrido carbónico livre. Como consequência da sua baixa mineralização, deve possuir propriedades terapêuticas inerentes a este tipo de água”.
De acordo com a classificação do Instituto de Hidrologia de Lisboa a água das Caldas de Penacova apresenta uma natureza hipossalina, com reacção ácida e macia, silicatada (Águas das Caldas de Penacova, S.A., 2011).
A empresa Águas das Caldas de Penacova, S.A. dedica-se ao engarrafamento de água mineral natural e localiza-se no concelho de Penacova.
A região caracteriza-se por uma topografia muito acidentada de que se destaca a Serra do Buçaco, entre o Luso e Penacova, situando-se as Caldas de Penacova num dos extremos da serra e o Luso no outro extremo.
O Aquífero de Água Mineral Natural da Serra do Buçaco, com circulação profunda, apresenta dois locais de extracção, um no Luso e outro nas Caldas de Penacova, sendo constituída por rochas quartzíticas muito pouco solúveis, que conferem à água uma mineralização muito baixa.
A empresa foi fundada em 1991, mas só em 1997 lhe foi atribuída a concessão de exploração de água mineral natural pelo contrato de concessão nº HM-22, celebrado em 2 de Junho de 1997, para uma área de aproximadamente 67 hectares, publicado no Diário da República, III Série, nº 162, de 16 de Julho do mesmo ano, culminando um longo processo, em que controlos físico-químicos e microbiológicos realizados em laboratórios acreditados revelaram que as características de água mineral natural hipossalina, com reacção ácida e macia eram estáveis e aptas à exploração.
A concessão da licença de exploração é da responsabilidade da Direcção Geral de Energia e Geologia. A Direcção Técnica da Águas das Caldas de Penacova, S.A. tem a responsabilidade de dar resposta às exigências desta entidade licenciadora, bem como garantir o acompanhamento da estabilidade físico-química e microbiológica da água.
Em Abril de 1999 inicia a sua actividade com uma área coberta de 2000 m2 e um total de 27 colaboradores produzindo 6.400.000 litros/ano.
A 6 de Dezembro de 1999, mediante proposta fundamentada da empresa, foi fixado o Perímetro de Protecção desta concessão (Portª nº 1060/99) e a 7 de Março de 2000 foi publicada, no jornal Oficial das Comunidades Europeias, a lista das Águas Minerais Naturais reconhecidas por Portugal, a qual inclui as Caldas de Penacova.
Tendo como actividade principal o engarrafamento de água mineral natural, inicialmente também se dedicou à produção própria de embalagens em politereftalato de etileno (PET), numa primeira fase com máquinas integradas (injecção e sopro), estando desde 2006 a proceder à sua substituição por sopradoras.
Actualmente, a fábrica de engarrafamento ocupa uma área de 8000 m2, dos quais 3000 m2 são afectos ao estabelecimento industrial e 5000 m2 destinados ao armazém e serviços de apoio, emprega 50 trabalhadores e está equipada com linhas individuais para embalagens de 33 cL, 50 cL, 1,5 L e 5L.
Com a preocupação de assegurar a qualidade do produto e a garantia de saúde pública a Águas das Caldas de Penacova, S.A. tem desde do início a funcionar nas suas instalações um laboratório onde são realizadas diariamente análises microbiológicas de monitorização e acompanhamento de todo o processo fabril. Também é efectuado um controlo analítico no Laboratório do Instituto Superior Técnico, desde 24 de Março de 1994, com uma periodicidade mensal até 23 de Maio de 1995 e actualmente com uma periodicidade trimestral, o qual permite evidenciar a estabilidade do perfil físico-químico da água.
Evidenciando o cuidado em atribuir e respeitar os requisitos do produto, a empresa certificou o seu Sistema de Gestão da Segurança Alimentar (SGSA), segundo os referenciais NP EN ISO 22000:2005 e IFS – International Featured Standards no ano de 2009.

No ano de 2011 procedeu ao engarrafamento de 143.569.990 litros de água, o que representa um crescimento de aproximadamente 8% em relação a 2010, contrariando o comportamento do mercado das águas em Portugal em 2011, pois segundo os resultados apresentados pela Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais Naturais e de Nascente (APIAM), observaram uma retracção de 2,87 %. A retracção do mercado de água em Portugal no actual panorama de crise levou a empresa a uma intensificação no mercado internacional com a exportação para África (Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde), Macau,Estados Unidos da Améria e sobretudo para a Europa (Espanha, Alemanha e Suíça). 

VEJA RELATÓRIO AQUI
VISITE O SITE DA EMPRESA AQUI

07 novembro 2015

O último representante dos velhos filhos da Casconha que deram a esta terra brasões de honra, fidalguia e trabalho



 José António de Almeida: “O último representante dos velhos filhos da Casconha que deram a esta terra brasões de honra, fidalguia e trabalho”.
Alípio Barbosa Coimbra, 
no funeral de José António de Almeida
nos primeiros dias de Novembro de 1901

SAIBA MAIS 
SOBRE ESTE PENACOVENSE ILUSTRE
AQUI

[Excerto de testemunho de Artur Leitão que foi Vereador com o Presidente José A. de Almeida]

26 outubro 2015

Penacova e Lorvão sob o olhar de Saramago



Entre Outubro de 1979 e Julho de 1980 José Saramago terá estado em Penacova e Lorvão a fim de recolher elementos para a obra que o Círculo de Leitores lhe encomendara e que viria a ser publicada em 1981 com o título de “Viagem a Portugal”.

Vindo de Góis, onde visitou o túmulo de D. Luís da Silveira, depreende-se, pelo seu relato, que terá passado por Vila Nova do Ceira, Poiares e Louredo, em direcção a Penacova: “O caminho que leva a Penacova é um constante sobe-e-desce, um novelo de curvas, e atinge o delírio já perto do Mondego quando tem de vencer o desnível em frente à Rebordosa.”

“Enfim, aqui está a ponte - escreve - agora é subir até Penacova, nome que consegue a suprema habilidade de conciliar uma contradição, reunindo pacificamente uma ideia de altura (pena) e uma ideia de fundura (cova). O que logo se entende quando se verifica que construíram a meia encosta: quem vem de cima, vê-a em baixo; quem vem de baixo, vê-a em cima. Nada mais fácil.”

Estaríamos no Inverno de 1979, num daqueles dias em que a amenidade de Penacova também não resiste. “O viajante almoça numa sala gelada e húmida” onde “a criada, envolvida em acumuladas roupas, tem o nariz vermelho, constipadíssima.”

Salve-se um elogio à boa comida porque de resto o tom irónico vem ao de cima:” Parece uma cena polar. E se a comida é excelente, bastou-lhe viajar entre a cozinha e a mesa para chegar fria.”

Para agravar a má disposição (conforme confessa) dá com as bombas de gasolina fechadas, abrindo só às três horas. Para passar o tempo resolve ir à Igreja Matriz e “levar o dobro do tempo necessário” e depois, da Pérgola, “olhar cá de cima o vale do Mondego, contemplar os montes à procura de qualquer aspecto que os distinga dos cem outros vistos antes e justifique tão longo admirar”. Mesmo a chuviscar deteve-se ali algum tempo, o que terá induzido em erro quem porventura reparou nisso. “Os penacovenses devem estar muito satisfeitos com este viajante, que tanto mostra gostar da terra, ao ponto de não abandonar o muro do miradouro, nem mesmo quando chuvisca”.

“Enfim, deram as três, já pode ir a Lorvão.” – desabafa. A visita a Lorvão não mereceu grandes elogios, a não ser um ou outro comentário mais positivo. “De Lorvão não viu muito. Levava a cabeça cheia de imaginações, e portanto só pode queixar-se de si próprio. Da primitiva construção no séc. IX, nada resta. Do que no século XII se fez, uns poucos capitéis. Pouco relevantes as obras dos séculos XVI e XVII. De maneira que aquilo que mais avulta, a igreja, é obra do século XVIII, e este século não é dos que o viajante mais estime, e em alguns casos desestima muito.”

A frustação é evidente, pois “vir a Lorvão à espera de um mosteiro que corresponda a sonhos românticos e responda à paisagem que o rodeia, é encontrar uma decepção.”

Apesar de achar a igreja imponente, entende que a sua arquitectura é “fria, traçada a tira-linhas e escantilhão de curvas.” Nem “as três gigantescas cabeças de anjos que enchem o frontão por cima da capela-mor” escapam à crítica: “ são, no franco entender do viajante, de um atroz mau gosto.”

No entanto, “belo” é o coro, “com a sua grade que junta o ferro e o bronze”. Belo também o cadeiral setecentista e “o claustro seiscentista, da renascença coimbrã.” “E se o viajante está de maré de não esquecer o que estimou, fiquem também notadas as boas pinturas que na igreja estão.” – deste modo termina Saramago (o escritor que em 1998 ganhou o Prémio Nobel da Literatura) o relato da sua visita a Lorvão, num dia frio e chuvoso de 1979.

17 outubro 2015

LORVÃO: Tricentenário da Trasladação das Santas Rainhas para os Túmulos de Prata

“A funcção que começara depois do meio dia terminou ás dez horas da noute, 
quando já a frontaria do mosteiro se achava deslumbrantemente illuminada;
 estoiravam no ar as bombas dos foguetes e morteiros, 
cahiam as bagas luminosas dos foguetes de lagrimas, 
e os fogos d'artificio eram acclamados por enorme multidão,
 que juntava as suas acclamações 
ao repique jubiloso dos sinos.”
                                      in "As Freiras de Lorvão"

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Prossegue hoje o programa da Comemoração dos 300 Anos da Trasladação das Santas Rainhas Teresa e Sancha em Lorvão. Como se pode verificar pelo cartaz das Comemorações outros eventos decorreram e vão decorrer este fim de semana. Ontem teve lugar a  Celebração de Abertura dos Túmulos, presidida pelo Senhor Bispo de Coimbra bem como  cerimónia da Veneração das Sagradas Relíquias. Ainda, a cerimónia do lançamento do livro infanto-juvenil "Teresa de Portugal", uma edição do Município de Penacova com autoria de Paula Silva e ilustrações de Cristina Carvalho e Paula Silva. Hoje à noite há um espaço musical que contará com as actuações Coral Divo Canto (Penacova) e dos grupos convidados: Coral Polifónica "Santiago López" (Pravia - Astúrias) e Coimbra Gospel Choir.


 Fotografias de "PENACOVA EVENTOS" no Facebook






APONTAMENTO SOBRE A TRASLADAÇÃO EM

1715

No livro “As Freiras de Lorvão” de  T. Lino d'Assumpção é feita uma descrição daquele momento alto da Trasladação. Para as pessoas mais interessadas em conhecer com algum pormenor estes acontecimentos, transcrevemos, do original, e por isso redigido em português de finais do séc XIX, um excerto (não incluindo notas de rodapé) daquela obra:

Quatro séculos passaram e durante elles as sepulturas das duas irmãs estiveram no coro monástico, obrando grande copia de milagres, conjunctamente com o copo por onde D. Thereza bebia em vida. Mas a quantidade de romeiros era tal á procura de saúde, tantos os devotos que junto do tumulo das santas desejavam expandir-se em lagrimas e suspiros, que vinha d'isso fraude e perturbação para a clausura, e sempre importunas visitas.
Pensava a abbadessa D. Bernarda den Lencastre,neta d'el-rei D. Manuel, por seu pae o cardeal Affonso, em fazer trasladar para o corpo da egreja os dois mausoléus, mas achou a communidade resistente em conformar-se com tal deliberação.Foi neste transe que ceu  se manifestou, como soe  acontecer cm casos taes.
Certa noute, uma das monjas. D. Catharina d’ Albuquerque, sonhou que estava vendo as duas santas vestidas como nos tempos idos da sua vida.  Grandes calanticas ou toucas de miúdas pregas na cabeça, fino e branco veu nos hombros, longas estolas franjadas cahindo-lhes até os pés, e mantos presos ao pescoço por fivellas de ouro.
Uma a outra compunha seus adornos, e na conversa pareciam um pouco agitadas. Tremendo, perguntou- lhes Catharina o que queriam? ao que ellas responderam, rindo: que o fosse  perguntar ao questor da communidade,  João Lacto. E, ao esvairem-se no espaço, acordou a monja.
Immediatamente procurou a abbadessa a quem contou o succedido. Foi chamado o questor e este decidiu que as duas rainhas queriam que os seus túmulos fossem trasladados para a egreja. Soube o mosteiro da visão e ninguém se atreveu a oppór-se a tão formaes ordens.
E' esta a versão que corre impressa, inclusive no processo da beatificação; entretanto, nas memorias manuscriptas do mosteiro, attribue-se a mudança á abbadessa D. Briolanja de Mello.
Eis a copia d'um rascunho para o seu termo de óbito, que existe no livro respectivo:
“A muito religiosa D. Briolanja de Mello, religiosa deste real mosteiro de S.ta Maria de Lorvão foi a penúltima abbadessa perpetua d'esta casa, viveu com muita edificação e santidade, guardando os votos e em tudo o mais a regra do nosso P.° S. Bento; e, estando para ser abbadessa, havendo duvidas como fosse feita abbadessa, nessas occupações veiu uma voz do ceu que a publicou. No seu officio se conheceu fora feita por Deus, e assim se verifica, pois escolheu o Senhor o seu tempo para se publicarem os thesouros que tinhamos nas santas rainhas S. ta Theresa e S.ta Sancha; por que estando as suas sepulturas no interior do mosteiro, e havendo grande difficuldade em as religiosas as deixarem ir para fora, por não perderem a- consolação de tão santa companhia, ellas acharam merecimentos para lhes apparecerom e mandando-lhes que as puzessem na egreja de fora, que Deus ajudaria. E assim foi que as religiosas se accommodaram com a sua saudade: conhecendo pela sua virtude era vontade de Deus, e se ficou fazendo muito maior estimação da prelada. Foi Deus servido, depois (Testa obra. leval-a para si com grande mostra do salvação e edificação das religiosas d'aquelle tempo, em que todas, pelas noticias que achamos no cartório, foram santas pelo espirito com que vieram á religião ».
Na egreja estiveram os dois túmulos até que em 1617. uma das religiosas, D. Catharina da Silveira, mandou fazer a capella de Nossa Senhora do Rosário, e os sarcophagos ficaram constituindo o altar, um junto do outro.
Nessa occasião. emquanto os operários foram jantar, as monjas sahiram da egreja, e, servindo-se das ferramentas, levantaram a pedra do sepulchro de D. Thereza. « Logo um suavissimo perfume" se espalhou pela egreja, e o corpo, deitado numa alcatifa de flores, tão frescas, como se ali não estivessem ha perto de quatrocentos annos, mas como se fossem cortadas naquella hora, achava-se inteiro, cerrados os olhos e entreaberta a bocca, deixando ver os alvos dentes como de quem sorri. Vestia habito de S. Bernardo e sobre o rosto estendia-se um veu preto e a pelle tão fresca e tão perfeita como se estivesse dormindo ».
Na egreja continuavam os cadáveres bemaventurados a obrar tantos milagres, que el-rei D. Sebastião resolveu promover em Roma as duas beatificações, o que não levou a effeito pelos revezes que todos conhecem e que, se lhe custaram a vida, nós tivemos que pagal-os com a independência. O intento do cavalheiroso príncipe foi continuado pelos prelados da Ordem  e, d'accordo com as monjas, trataram durante largos annos a causa junto da Santa Sé, até que em 1705 conseguiram que Clemente XI declarasse bem aventuradas as filhas de Sancho I. Os gastos para tal concessão foram tantos que durante dez annos o mosteiro ficou empenhado, a ponto de somente, em 1715, sendo então abbadessa D. Bernarda Telles de Menezes, se conseguir fazer a trasladação dos túmulos de pedra, em que os cadáveres jaziam, para outros em que mais ricamente ficassem expostos á veneração dos fieis. Muito custa, em Roma, ser santo ! Foi encarregado d'esta obra, de prata lavrada batida a martelo, batida a martello, o ourives do Porto, Manuel Carneiro da Silva, que se não fez cousa maravilhosa, como diz o editor da Monarchia Lusitana, Miguel Lopes Ferreira, fez comtudo uma obra bem acabada e que não deixa de ter grande ar e o que quer que seja da elegância cortezã d'aquelle século .
Estes novos cofres são ambos semelhantes. Teem o feitio de urnas, forradas de veludo  carmezim sobre o  qual assentam lavores de prata recortada,realçados de pedrarias. A tampa termina com remate de dois anjos sustentando uma coroa, de cujas aberturas sahem quatro açucenas. A collocação das urnas, em nicho, impede que se vejam por todos os lados, mas o citado Ferreira assim as
Descreve:
O tumulo de santa Thereza «na primeira face tem formada uma tarja com a imagem da santa Rainha vestida no habito de S. Bernardo, com um escudo aos pés partido em pala, do lado direito as armas de Leão de que foi rainha, no esquerdo as de Portugal, onde nasceu infante, e esta lettra: Sancta Theresia Regina. Na face ulterior, e logar correspondente á primeira, se forma outra tarja em que se vêem umas lettras complicadas, cifra do nome da reverendíssima prelada, em cujo triennio se fez a obra, e junto a ella um escudo atravessado com uma banda  xadrezada entre duas flores de liz, que são as armas da illustre Ordem de Cister. Da parte da cabeceira ha outra tarja, que expõe uma cruz, e por cima duas mãos dadas com esta inscripção : Votis conjunctis. Na correspondente ha outra tarja, e nella esculpido em meio relevo um mosteiro com esta epigraphe: Hic tutor».
A urna que encerra os restos de D. Sancha é em tudo semelhante á primeira, differençando-se nas figuras, emblemas e disticos. «Vê-se na tarja da primeira face a imagem da mesma santa polidamente formada, com esta inscripção : Sancta Sanctia Infans ; e ao pé um escudo com as armas de Portugal. Na cabeceira duas coroas, uma real, outra de espinhos, com esta lettra: Per hanc ad illarn. Na parte dos pés duas mãos dadas com esta: Felicitas temporum; e no remate do meio uma coroa por onde saem quatro palmas ».
A trasladação, a que assistiram o bispo de Coimbra, e seu cabido, o D. Abbade Geral, o senado da cidade, vários abbades cistercienses e grande multidão, realizou-se a 19 d'outubro de 1715, depois de alguns mezes perdidos em questões de formalidade, etiqueta e jurisdicção entre o Bispo e o D. Abbade, tão próprias daquelle século essencialmente formalista.
Foram então abertos os túmulos para se fazer a trasladação dos cadáveres. O de santa Thereza, coberto com um veu de tafetá branco, estava completo, mas a cabeça separada do tronco e os ossos já sem carne nem pelle. O de D. Sancha « se viu todo unido e inteiro sem embargo de se haver sepultado quatro centos oitenta seis annos antes, com os braços cruzados sobre o peito, e estes organizados com a composição dos ossos, e nervos cobertos com a pelle e carne: todo o peito composto, e coberto com a cutila sem lhe apparecer nenhuma das costellas: e fazendo exame o dr.  Manuel dos Reis de Sousa, lente de medecina na Universidade de Coimbra, e o dr. Francisco de Oliveira Raposo, medico do convento, pelo contacto do pulso e artelho declararam que se achava brandura na carne. Só se achava separada dos hombros a cabeça». O geral da Ordem tirou-lhe um osso grande da garganta que mandou de presente a D. João V.
Revestidos os dois cadáveres com o habito de S. Bernardo, compostas as caveiras com o toucado e veu de religiosas, foram collocados nos túmulos de prata, fechados a duas chaves cada um, uma de aço outra de prata, entregues ao Bispo, e outras iguaes ao D. Abbade Geral, e collocados no altar, onde até então tinham ficado os de pedra.
A funcção que começara depois do meio dia terminou ás dez horas da noute, quando já a frontaria do mosteiro se achava deslumbrantemente illuminada; estoiravam no ar as bombas dos foguetes e morteiros, cahiam as bagas luminosas dos foguetes de lagrimas, e os fogos d'artificio eram acclamados por enorme multidão, que juntava as suas acclamações ao repique jubiloso dos sinos.
E comtudo a festa não passou sem um dissabor,que por não ter tomado maior vulto, n em por isso deixaria de figurar como incidente no poema do Hyssope. Pois na segunda feira, segundo dia do Triduo que se seguiu á trasladação dos santos ossos, o cabido não teve a audácia grande de vir á porta da egreja de cruz alçada, cantando o Te Deum receber o Bispo !  Ora isto oppunha-se á jurisdicção do D. Abbade Geral que se intitulava nada menos que: D. Abbade do Real Mosteiro de Santa Maria d’Alcobaça, Senhor Donatário e Capitão Mor das Villas de Alcobaça, Aljubarrota, Alfeizarão, Alvorminha, Pederneira, Santa Catherina, Paredes, Coz, São Martinho, Señr do Matto, Mayorga, Évora, Cella, Turquel e mais logares e povoações dos seus termos e coutos do Mosteiro, do Conselho de Sua Magestade, e seu Esmoler Mor, Geral reformador da congregação de São Bernardo nestes Reinos e Senhorios de Portugal e Algarves, etc. etc.
A Senhora da Paz  metteu-se entre os monjes e o cabido, e a pendência de jurisdicção, entre o faustoso bispo-conde d'Arganil  D. António de Vasconcellos e Souza, e o reverendíssimo padre doutor fr. António do Quental, não teve seguimento, embora ficasse, de passagem, consignada nas chronicas.
Findos os três dias de festa, os cofres foram levantados do altar onde durante ellas se conservaram e collocados nos camarins que lhes estavam  preparados na capella mor; o de D. Thereza do lado do evangelho, e o de sua irmã do lado da epistola.
Por fins do primeiro quartel do século XVII, as monjas tratavam de nova mudança dos restos das duas princezas para o seu antigo altar, onde lhes tinham preparada « uma admirável tribuna de rica talha dourada, e nella dous vãos, ou nichos grandes, nos quaes em mãos de anjos se exporiam os cofres das santas rainhas, tudo por modo admirável.
Esta ultima trasladação não se levou a effeito. Que motivos a obstaram, ignoro.“