Mostrar mensagens com a etiqueta mondego. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta mondego. Mostrar todas as mensagens

11 março 2024

“Do Mondego: notas históricas e culturais”: um texto de Nelson Correia Borges


Recordamos a intervenção proferida pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” realizado em Penacova a 21-01-2012, quando se lutava contra a construção da Mini Hídrica na zona do Caneiro. Um dos muitos excelentes textos históricos e literários deste nosso insigne conterrâneo. 

“Do Mondego: notas históricas e culturais”

“O Mondego não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portugal. É também o mais português por ter sido cantado por quase todos os grandes poetas portugueses.

O lirismo de que impregna a paisagem mondeguina desperta em quem o contempla a vontade de ser poeta. Ninguém o pode ver sem com isso sentir prazer. A poesia portuguesa está cheia de páginas vibrantes e sentidas, gravadas de forma imorredoura por quantos o têm cantado desde Luís de Camões a António Nobre, desde Sá de Miranda a José Régio. Bernardim Ribeiro, António Ferreira, Almeida Garrett, João de Deus, Soares de Passos, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Afonso Duarte, Campos de Figueiredo, Manuel da Silva Gaio, Fausto Guedes Teixeira, António Homem de Melo, Alberto de Serpa, Alberto de Oliveira, José Freire de Serpa, Miguel Torga, Manuel Alegre e tantos mais, celebraram cada um à sua maneira, as “doces e claras águas”, “entre choupais murmurando”, “os saudosos campos”, o “cristalino curso”, “os salgueiros a cantar”, as “falas mais tristes” do “lânguido Mondego”.

Orlado de encostas verdejantes e campos férteis, de frondosos laranjais com pomos de ouro e olivedos verde cinza, de salgueiros pendentes e choupos buliçosos, as suas águas, ao passar, murmuram desde há séculos a canção da beleza que não passa.

O grego Estrabão já se lhe refere, designando-o por Muliades. Munda ou Monda lhe chamaram os romanos, enquanto o árabe Edrisi descreve o rio que banhava Colimbria, dando-lhe o nome poético e sonhador de Mondik. E já num documento de 946 do Mosteiro de Lorvão surge a forma Mondeco, bem próxima da atual. Mas, nem uns nem outros foram os padrinhos, pois que a raiz da palavra (Mond-) é seguramente pré-romana.

O Mondego, esse rio que dessedentou celtas, romanos, godos e mouros, foi também a linha fronteiriça entre a cruz e o crescente, ao tempo da reconquista, a linha estrema, pontilhada de fortalezas – Seia, Penacova, Coimbra, Montemor-o-Velho -, onde Afonso Henriques veio estabelecer a capital do seu jovem reino. Castelos roqueiros, de pedraria talhada, como o de Penacova, dominando altaneiro os meandros do rio desde as Fragas de Entre Penedos às lonjuras da Rebordosa e de Louredo. Castros de pedra seca e terra batida alinhados na margem esquerda, eram sentinelas vigilantes do tráfego fluvial e de fossados e razias feitos por gente da moirama. Dois deles são referidos na demarcação dos limites feita em 1105 entre os monges de Lorvão e os homens do castelo de Penacova: o Castro de Cima de Louredo e o Castro Retundo em frente do Caneiro. Foram refúgio de camponeses e marcas dominiais, juntamente com outras rústicas fortificações ao longo deste nosso rio, de que apenas restam topónimos como Cabeço da Pedra, Castelo Viegas, ou vestígios arruinados como Torre de Bera.

Pachorrento e remansoso, o poético Mondego, afirmou-se a razão de ser e vida de toda a região, no passado. Não admira que por aqui tivessem florescido povos luso romanos nas terras que são hoje Penacova, Lorvão, Cheira, Chelo e tantas outras… O peixe abundava e povoava as suas ribeiras. Lembremos que as monjas de Lorvão tinham o privilégio da exclusividade da captura de trutas na sua ribeira e recebiam lampreias como pagamento de foros pelo povo da Rebordosa.

Impetuoso e brutal nas cheias súbitas de outros tempos, semeou muitos desesperos por entre esperanças geradas em torno de si. Quem não se lembra dele, engolindo as casas baixas da Rebordosa, dominando as várzeas marginais, transportando no seu dorso tudo quanto encontrava pela frente, subindo às laranjeiras e roubando-lhes os frutos dourados, ou transformando a baixa de Coimbra numa cidade lacustre?

Quantas memórias carrega consigo este rio, hoje domesticado e quase ignorado, das populações ribeirinhas, da cidade que lhe deve quase tudo e hoje praticamente lhe vira as costas !?

Mas o Mondego é um dom de Deus, um espetáculo da natureza. No concelho de Penacova tem talvez a sua página mais bela. Logo a jusante da confluência com o Alva surge a garganta de Entre Penedos, a Livraria do Mondego, muralha silúrica que do Buçaco se prolonga para a Atalhada e que o Mondego cortou – e o IP3 quase destruiu. Então alarga-se o vale, até aí mais angustiado. O rio está na sua plenitude iniciando a ação de depósito: são as férteis várzeas de Penacova, cujo vetusto morro do castelo e as águas sussurrantes contornam. Carvoeira, Ronqueira, Rebordosa, Caneiro, são pitorescos povoados que devem a sua existência e o nome à faina fluvial. Raiva, Ronqueira, têm a ver com a torrente caudalosa em épocas de invernia. Carvoeira, com a matéria-prima que daqui enchia as carvoarias de Coimbra, transportada nas barcas serranas. Rebordosa e Louredo são nomes ligados à flora das suas margens… Caneiro, a paliçada que os monges de Lorvão mandaram colocar no rio para apanha de peixe.

E o Mondego lá segue em meandros, a contornar as atalaias poderosas dos montes marginais, por entre vertentes de pinheiros, eucaliptos e oliveiras, entremeados de urzes, tojo, giestas e rosmaninho, hoje em vias de desaparecer das nossas encostas… Aqui e ali recebe idílicas ribeiras, talvez as musas inspiradoras das Ribeiras do Mondego, do poeta seiscentista Elói de Sá Sotto Maior – Abarqueira, Lorvão, Arcos, Vale Bom -, ou riachos que no inverno chuvoso se despenham em rugidoras torrentes…

Mas o Mondego foi, principalmente, desde tempos imemoriais, uma importante via de comunicação. Por ele circularam pessoas, mercadorias, obras de arte, coisas simples, novidades, ideias… Nas suas águas, passaram jangadas de madeiras para construção. Assim foi com os imensos troncos de castanho vindos da Mata da Margaraça em carros de bois até ao Porto da Raiva, daí seguindo a estrada fluvial até Coimbra para serem esculpidos nas monumentais colunas barrocas do retábulo-mor da Sé Nova. Assim foi também com os toros de castanho vindos da mesma Mata da Margaraça para construir o dormitório do Mosteiro de Lorvão e com muitos outros lenhos necessários à vida do grande complexo monástico. Poderia este mosteiro ter alcançado a grandeza que teve sem o Rio Mondego? Talvez. Mas lá que ajudou, não há dúvida. As grandes obras, como as grades do coro, os toros de pau-preto para o cadeiral, a pedra de Ançã para as capelas do claustro, vieram em barcas até ao porto da Granja do Rio, donde seguiram para o recôndito vale, e muitas outras teriam feito o mesmo percurso.

O assoreamento progressivo foi reduzindo as possibilidades de navegação, exigindo barcos de pequeno porte: as barcas serranas, para as cargas, e as bateiras ou barcos do lavrador, mais móveis e utilitários.

Se o Sado, o Tejo, o Lima, o Douro ou a Ria de Aveiro acolheram as embarcações que se tornaram uma imagem de marca, o Mondego não lhes ficou atrás com as barcas serranas que ainda há mais de meio século lhe sulcavam as águas, com as suas largas velas dilatadas pelo vento. Eram barcos compridos e estreitos, de fundo chato, como uma grande canoa primitiva, desenvolvida e aperfeiçoada. Quando não havia vento, ou este era contrário, a navegação fazia-se à vara e muitas vezes à sirga, mas a complementação destes processos era frequentemente comum.

Outrora o trânsito no Mondego era intenso. Todo o sal e grande parte do peixe consumido no interior das Beiras eram transportados desde as salinas de Lavos e da barra de Buarcos até ao Porto da Raiva ou à Foz do Dão, donde os almocreves os levavam. Na descida do rio as barcas serranas traziam vinhos, batatas, frutos, madeiras, carvão, carqueja e os mais diversos produtos, como a roupa das lavadeiras ou os palitos, que se destinavam a Coimbra ou à exportação pelo porto da Figueira.

Passageiros aproveitavam as barcas para se deslocarem, sobretudo para a beira-mar durante a época estival.

Até a Bairrada tirava enorme proveito do tráfego fluvial, fazendo exportar os seus produtos agrícolas, principalmente os afamados vinhos, pelo Porto do Rol, na Vala de Ançã. Por aqui saíram também, em bruto, toneladas de pedras de Ançã, que chegaram tão longe quanto Santiago de Compostela.

No Verão todo o rio se agitava de vitalidade. Aqui e além eram as noras a chiar, vazando os alcatruzes para a rega das ínsuas. Os caneiros ou paliçadas de estacaria, que desviavam a água para elas, interrompiam por vezes a navegação, pelo que os barqueiros, ao aproximar-se, vinham gritando de longe: Ó da roda!..., para que lhes abrissem a passagem. Por todo o lado, as lavadeiras tagarelavam e pintalgavam as areias, de roupa estendida a corar. Às vezes metiam-se com os barqueiros, chacoteando-os com a dificuldade da passagem na Pedra Aguda. Mais além um pescador solitário concentrava as suas energias na captura de peixe em que o rio era fértil, com destaque para a apreciada lampreia. Acolá era uma azenha temporária, montada durante a estiagem, quando a água era pouca nas ribeiras e levadas.

E havia o prazer de gozar o rio, com tudo o que ele tinha para dar. Assim surgiram as praias fluviais de Coimbra, pelos anos 20 a 40 do século passado, sofisticadas, com passadiços, toldos, chapéus e piscina. À noite, deixaram memória as serenatas no Mondego, em barcas serranas, feitas por tricanas e futricas, que os estudantes, esses de há muito cantavam pelas suas margens fados e baladas, ao desafio com rouxinóis. Este costume das serenatas mondeguinas estendeu-se também a Penacova, já que as ligações à cidade eram imensas e naturais.

Hoje, reduzido à sua função primitiva, invadido pela vegetação marginal, disciplinado para bem da agricultura, mas muitas vezes ignorado pelos que se deviam preocupar com o desenvolvimento das suas potencialidades, e agora na eminência de sofrer mais uma agressão que o desfigurará, o Mondego continua a ter os seus amigos e fiéis admiradores, que continuam presos dos seus encantos e outros que durante o Verão o continuam a desfrutar.

E enquanto os povos das suas margens cantarem canções tradicionais, ele continuará a ser lembrado e vivido, pois em quase todas ele está presente, como elemento fundamental de uma cultura.”

“Do Mondego: notas históricas e culturais” 
Prof. Doutor Nelson Correia Borges intervenção proferida 
no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” Penacova, 21-01-2012

01 dezembro 2022

O rio Mondego na poesia de Ulisses Baptista

Regresso às Origens é o título do novo livro de poesia de Ulisses Baptista, autor penacovense. Já em 2012 havia publicado Meu Rio de Prata, uma “Breve História de Penacova e suas Tradições”, de acordo com o subtítulo desta obra, toda ela traduzida em estrofes de quatro versos, num total de cento e oitenta e três.

Agora, além da temática do Rio Mondego, Ulisses Baptista, Engenheiro do Ambiente, reúne um conjunto de cinquenta e um poemas onde se cruzam recordações de infância, passada na Carvoeira, preocupações ambientais e sentimentos perante a Vida e a Natureza.

Além das duas poesias sobre o Mondego, que transcrevemos, encontramos também o poema “Lembranças do Mondego”. Fica um excerto: “Nunca julguei que um dia ao te domar / O Homem, que tem voz no meu lamento / Servisse pra tão só te ver passar”.

Ulisses Baptista vem publicando textos em prosa e em verso na página do Facebook “Carvoeira, terra amiga”, de que é administrador. Um espaço que tem como conteúdo as “histórias e as lendas”, bem como, “fotos e factos sobre a Carvoeira, seus lugares e suas gentes”.


MONDEGO, MEU RIO DE PRATA

Meu rio de prata,
Outrora fecundo,
Morro de saudade,
Por não me rever
No que te fizeram.
Que é feito de ti
Meu rio de prata?
Águas cristalinas
E areias tantas,
Taludes orlados
Com moitas de junco.
Meu rio de prata,
Outrora fecundo,
Que há em ti que eu veja:
Um simples canal,
E ao largo os montes
E o azul do céu,
Não em ti espelhado.
Mas tu, um príncipe folião,
Perdeste a garra
Neste canhão.
Meu rio de prata,
Bem que eu te queria
Como eras dantes:
Seixos roliços
Postos ao acaso
E tapetes de erva,
Que pisei descalço,
Porque era criança.
E criança fui
E em ti me fiz homem
E assim me deixaste,
Meu rio de prata,
Outrora fecundo.


MONDEGO

Tinhas as orlas espraiadas
Em linhas ténues nas areias,
As curvas pouco fechadas
No correr das tuas veias.
Por ti se encantaram povos,
Distantes na madrugada,
Que vieram trazer aos novos
Mensagens de paz velada.
Revoltoso no Inverno,
Quando inundava as terras,
E as águas, num inferno,
Vinham do cimo das serras.
No auge da estação quente,
A cor da prata no leito,
Límpido e transparente,
Num panorama perfeito.
Em ti refletiam as cores,
O celeste azul do céu,
As praias desses amores
Que tanto poeta escreveu.

E quando a força bruta
Trouxe o mal que te quebrou,
A beleza, em forma astuta,
Ainda assim nos encantou.



03 janeiro 2020

O Mondego e a bela Penacova


As águas do Mondego esgueiram-se em corrida pelo leito abaixo, com a ânsia de chegar ao seu destino… Contudo, antes disso, têm de passar apressadamente por entre as margens verdejantes e estonteantes daquela vila, que fica lá no alto. Ó doce e delicada paisagem, como se tivesse saído diretamente de uma aguarela pitoresca!...
Do lado direito, vê-se, lá no cimo do monte, o mirante, o hotel e todas as casinhas e ruelas da bela Penacova. Ainda se vê a aldeia da Ponte, ao fundo do monte, rodeada e aconchegada pela densidade da natureza… E, cá em baixo, todos estes pormenores são espelhados no leito do rebelde Mondego, numa simetria perfeitamente esplêndida. Do lado esquerdo, vêem-se os campos cultivados, em relevos e contrastes verdes e acastanhados. Bem junto das águas apressadas fica a pista de pesca de Vila Nova, num longo carreiro ladeado por imponentes choupos, como se tivessem sido ali bordados, estando estes também refletidos no rio. O céu azulado e o brilho quente do sol abraçam todo aquele cenário, completando o enquadramento que parece pintado…  E mesmo quando o nevoeiro desce e embala Penacova, o ar místico que lhe encerra concede a este quadro uma melancolia ternurenta… Um toque de fantasia.
Continua a correr ó Mondego, que mais à frente hás-de passar no Reconquinho, que também te aguarda, com o seu areal que vem beijar a tua margem. E não te esqueças de olhar lá para o alto, que a Pérgola, toda vaidosa e enfeitada com as suas trepadeiras, anseia pela tua passagem e, lá do cimo, te acena e te deseja boa viagem. Olha de mansinho e discretamente a paisagem estonteante que todos os dias te aguarda… Namorisca um pouco e secretamente com ela. Mas corre, Mondego, para não te atrasares e leva contigo um pouco desta beleza sem par. Recorda-te da pacata vila a que beijas os pés todos os dias. E leva também um pouco das suas humildes gentes, que todos os dias te olham com a mesma admiração. Vai… E quando chegares ao mar sussurra-lhe ao ouvido a tua paixão e namoriscos secretos com a bela Penacova, que nós também não contamos a ninguém!...

Mariana Assunção


NR: Mariana Assunção publicou em 2014 o romance “Eternamente” e em 2017 “Eternamente II, com a chancela da Chiado Editora. A sua paixão pela escrita desde cedo se revelou. Com apenas onze anos, obteve um quarto lugar num concurso a nível nacional. Também gosta de escrever poesia.
É com muito gosto que publicamos hoje a sua primeira colaboração no PenacovaOnline.


02 janeiro 2012

Mondego: a vida selvagem da nascente até à foz

Um rio aclamado por poetas e compositores, intimamente ligado à história de Portugal. Enquanto as suas águas se fundem com o mar, uma pequena fonte, escondida no alto da Serra da Estrela, continua a assegurar que o Mondego dá vida à sua grande variedade de habitats e de vida selvagem.
Documentário classificado com uma distinção. Filmado em Portugal durante Maio/Junho de 2011. Uma viagem pelo rio Mondego e a sua vida selvagem, das montanhas até ao oceano Atlântico.

Projecto final de mestrado em Wildlife Documentary Production da Universidade de Salford, Reino Unido.


"MONDEGO" Versão Portuguesa from Daniel Pinheiro on Vimeo.