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19 outubro 2017

Poetas penacovenses (IV): ... e a nossa beleza ardeu


O Penacova Online tem na sua linha editorial a divulgação do património natural e belezas paisagísticas do nosso concelho. Nesta hora de luto, concelhio e nacional, em que jamais esqueceremos o que vimos naquela manhã de segunda-feira passada, autêntico  "day after" apocalíptico, ao percorrer o alto concelho, tragicamente atingido, dizíamos, nesta hora difícil, associamo-nos ao sentimento de Luís Pais Amante, aqui expresso neste texto intitulado "...e a nossa beleza ardeu".
Foi ontem, num dia trágico
Daqueles que não foi Deus que nos deu
Que nas nossas serras e outeiros verdes
Nas nossas encostas florescentes
O inferno aconteceu
Veio travestido de fogo
Intenso
Em bolas
Empurrado por ventos de maré
Suspenso
Monstruoso
Medonho
Desgovernado
Este incêndio malvado
Corria voraz atrás do tempo da paz
Sacrificando-o
Alimentava-se de tudo quanto lhe aparecia à frente
E, num repente
Cortou-nos o cabelo da beleza natural
Sorveu-nos o sangue bom do suor rural
Empertigou-se como se tivesse vida forte
De estupor
E matou-nos gente amiga com nome sem sorte
Nossos conterrâneos, amigos
Causando-nos muita dor
Consternação
E estupefação
O rasto deste abalo intenso e brutal
Que cheirará por aí a massacre sobrenatural
Não pode ficar escondido sozinho no nosso tempo
Nem esquecido na parte mais íntima do nosso pensamento
Terá que ser sempre lembrado como se fosse um desgraçado
... até porque ele nos ofendeu!

Luís Pais Amante
Telheiras Residence
16Out17, 21h30

Horrorizado com o que se passou na minha terra, Penacova


05 dezembro 2015

Horrível desgraça: seis crianças carbonizadas

“No dia 22, logo de manhã, começou a correr na vila um boato sinistro: em Sernelha ardera uma casa, tendo perecido no incêndio seis creanças, a mais velha das quais teria 7 anos. Partimos imediatamente para ali.
Perto da povoação; à sombra dum pinhal, vimos, num grupo de indivíduos, alguém conhecido a quem nos dirigimos em busca de notícias. Logo nas primeiras palavras a pessoa a quem interrogamos confirma-nos  a notícia e indica-nos um homem, ainda novo, simpático, que fazia parte do grupo, dizendo-nos que era o pai das creanças que horas antes tão terrivelmente tinham morrido.
E foi da boca dele, uma voz velada, que mal se ouvia, que ouvimos a sinistra história, curta e trágica: Na véspera, à boca da noite  tinha sido procurado por dois amigos seus - Bernardo e Augusto Rodrigues, barbeiros, de Sernelha, com quem tinha de justar umas contas. Feitas estas, convidou os seus amigos a beber um copo de vinho, como é velho costume entre o nosso povo. Em casa não havia vinho e por isso foram à próxima taberna, onde passado pouco tempo sua mulher o foi chamar, dizendo-lhe que estava pronta a ceia e por isso se não demorasse.
Tendo-lhe ele respondido que pouco se demoraria e que fosse pondo a ceia na mesa que breve iria ter com ela, saiu a mulher da taberna e logo ao voltar uma esquina que lhe encobria a sua casa, grita aflitivamente que acudissem, que a casa estava a arder.
Correm todos e vêem a casa em chamas. Ele lembrando-se dos seus filhos, que poucos momentos antes a mãe tinha ido deitar, atira-se com ância à janela do quarto onde eles dormiam, arrombando-a e tenta escalá-la.
Mas – termina o pobre homem, com a sua voz molhada de lágrimas, velada, mal se ouvindo - não me deixaram entrar. Lá dentro só vi chamas, só chamas que ainda me queimaram a cara e nunca mais os vi... E fitando os olhos vermelhos de tanto chorar, brilhantes de febre, no chão, repetia desalentadamente:
-Nunca mais os vi e nunca mais os ouvi. Nem um grito. Só chamas, só lume. Nunca mais os vi, nunca mais os ouvi...
Correm-lhes as lágrimas em fio pela cara e todos nós sentimos também uma irresistível vontade de chorar.
                          *
Chega o dr. Henrique Serra, administrador do concelho, acompanhado pelo seu secretário, António Casimiro, e todos nos dirigimos para o local do sinistro.
Da risonha casa,  à beira da estrada, onde ainda ontem reinava a felicidade e a alegria apenas restavam uma mão cheia de ossitos quase desfeitos e um carvão negro, disforme, horrível, que talvez tivesse sido o tronco da mais velha.
Os donos da casa chamavam-se, como dissemos no nosso último número, Augusto dos Santos Neto e Rosária do Espírito Santo. Estavam casados há nove anos e tinham seis filhos - Manuel, Mário, Maria, Alzira,  Filomena  e Maria do Nascimento, o mais velho de perto de 8 anos e a mais nova de seis mezes, que agora pereceram todos no incêndio. [Manuel de 8 anos; Mário de 6 anos, Maria de 4 anos, Alzira, de 3 anos, Filomena de 2 anos e Maria do Nascimento de 6 mezes.]
A casa - que estava no seguro, segundo ultimamente nos informaram - tinha sido construída há menos de um ano.
As autoridades tendo procedido a minuciosas averiguações, são de opinião de que o incêndio foi casual.”

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NOTA: esta notícia, que transcrevemos na íntegra e com grafia da época, foi publicada no “Jornal de Penacova” em data que não podemos precisar, mas entre 1915 e 1918. Só desgraças neste blogue, poderão dizer os leitores...
Mas são também estes momentos trágicos que marcam as memórias das nossas terras. Trazê-los ao presente é uma forma de, com todo o respeito, nos associarmos, às dores de tantos que nos antecederam, porventura, pessoas das nossas famílias. Alguém de Sernelha, ou mesmo do concelho, tem mais elementos que queira partilhar? Fica o repto.