23 setembro 2016

A TERCEIRA INVASÃO FRANCESA NAS TERRAS DE FARINHA PODRE (I)

Conta-se em S. Pedro de Alva que apenas um “coxo” pereceu às mãos dos Franceses aquando da 3ª Invasão. Todos os habitantes se teriam refugiado nas terras da margem direita do Mondego, deixando as casas vazias e os valores bem escondidos. Também se diz que só uma habitação foi incendiada na sede de freguesia.
No entanto, a fazer fé no relatório que o Arcipreste de Sinde redigiu em 9 de Maio de 1811 (em cumprimento do Aviso Régio de 25 de Março), na freguesia de Farinha Podre não foi assassinada apenas uma pessoa, mas vinte e cinco: 16 homens e 9 mulheres. Também as casas destruídas pelo fogo foram mais do que uma: em toda a freguesia terão sido trinta.



Temos à nossa frente uma cópia da relação “ou mapa fiel e resumido”, elaborado por aquele padre, que também era pároco de Midões, com vários quadros e colunas, mencionando os estragos, os incêndios, os mortos, o número de mulheres violadas… Dados que foram recolhidos nas 20 freguesias do arciprestado (do qual faziam também parte Paradela, Farinha Podre, Oliveira do Cunhedo, Travanca de Farinha Podre e S. Paio de Farinha Podre).
Em Farinha Podre sabemos, inclusivamente, o nome das pessoas assassinadas. Na sede da freguesia foram assassinados 3 homens e 3 mulheres e queimadas 11 casas.  Em Hombres, 5 homens e 3 mulheres e 10 casas destruídas.  Em Laborins, 2 homens mortos. No Carvalhal, 1 homem. Na Parada, 2 homens e 1 mulher. Em Vale da Vinha, 1 mulher. Na Ribeira, 2 homens. Na Cruz do Soito, 1 homem. No Silveirinho, 1 mulher. No cômputo dos 25 mortos nesta freguesia não se incluem os que acabaram por morrer mais tarde em virtude dos maus tratos sofridos.
Imaginem-se as horas de angústia e de terror em S. Pedro, em S. Paio e em toda esta região. Não temos a indicação das datas em que ocorreram estes trágicos acontecimentos mas estamos em crer que a maior parte deles se verificaram já nos inícios de 1811 quando as tropas francesas, uma vez travadas nas Linhas de Torres, batiam em retirada pela margem esquerda do Mondego, ao contrário do que haviam feito em Setembro de 1810. No entanto, sabemos que os franceses andaram por Travanca nas vésperas da batalha do Bussaco, entre os dias 22 e 24 de Setembro. Voltariam depois entre 16 e 18 de Março.
Em S. Paio de Farinha Podre, o pároco José Maria Sobral Coelho e Sampaio registou, muito resumidamente, “as atrocidades que fizeram os franceses”. O documento tem a data de 24 de Abril de 1811. Incendiaram a igreja, roubaram e destruíram alfaias litúrgicas, imagens e outros objectos de culto. Queimaram oito casas e assassinaram 3 indivíduos do sexo masculino (entre os quais uma criança) e 3 mulheres. Ao contrário do relatório de Farinha Podre, aqui não são referidos os nomes das vítimas.
É a historiadora Maria Antónia Lopes que nos recorda que na diocese de Coimbra só em cerca de 10% das paróquias não entrou “o inimigo”. Calcula-se que morreram violentamente às mãos dos soldados franceses perto de 3 000 pessoas e muitos dos que escaparam foram vítimas da miséria, da fome e da doença.
Toda a região da Beira Serra foi duramente afectada naquela Primavera de 1811.  É paradigmático um dos episódios que o pároco de Arganil descreve, referindo-se à morte de um colega de 76 anos: “depois de ser atormentado cruelmente no campo, aonde foi achado, daí foi trazido com uma corda ao pescoço para sua casa, aonde depois de lhe[s] ter dado todo o dinheiro que tinha escondido em várias partes, o mataram à espada e baioneta, castrando-o sobre a cama e levando em um barrete eclesiástico as suas partes pudendas”.
Oportunamente - com base nos estudos da investigadora Maria Antónia Lopes - daremos conta de mais pormenores da carta que a 23 de Março de 1811 o padre Manuel Gomes Nogueira dirigiu a seu irmão José Acúrsio das Neves. Também num próximo artigo faremos referência – no dizer do Arcipreste de Sinde - aos “crimes e atrocidades cometidas” nas restantes freguesias que hoje fazem parte do concelho de Penacova “por estes monstros da imoralidade, da impiedade e da desumanidade, autorizados e comandados por chefes incapazes de pelejar com honra e capazes de fazer guerra só à fraqueza”.






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